Capítulo 2

Eu não conseguia parar de chorar. Gianna acariciou meus cabelos enquanto minha cabeça estava em seu colo. Ela tinha treze anos, apenas 18 meses mais nova que eu, mas hoje esses 18 meses significaram a diferença entre liberdade e a vida em uma prisão sem amor. Eu me esforcei bastante para não me ressentir por isso. Não era culpa dela. 
— Você poderia tentar falar com o pai novamente. Talvez ele mude de ideia  disse Gianna com a voz suave.  
— Ele não vai.  
— Talvez mamãe seja capaz de convencê-lo.  
Como se o pai deixasse uma mulher tomar uma decisão por ele.  
— Nada que alguém pudesse dizer ou fazer vai mudar alguma coisa, — eu disse miseravelmente. Eu não tinha visto minha mãe desde que ela me enviou ao escritório do pai. Ela provavelmente não estava conseguindo me encarar, sabendo que havia me condenado a esse casamento.  
— Mas Demi...  
Ergui a cabeça e enxuguei as lágrimas do meu rosto. Gianna olhou para mim com olhos azuis cheios de pena, como um céu azul sem nuvens no verão. Mas onde o meu cabelo era loiro, o dela era vermelho. Papai, às vezes, a chamava de bruxa; não era de uma forma carinhosa. 
 — Ele apertou a mão do pai de Joe 
— Eles se encontraram?  
Isso é o que eu queria saber também. Por que ele encontrou tempo para se encontrar com o chefe da Família de Nova York, mas não para me contar sobre seus planos de me vender como uma prostituta? Empurrei a frustração e o desespero da minha cabeça, tentando fazer esses sentimentos saírem do meu corpo.  
— Isso é o que o pai me disse.  
— Tem que haver algo que possamos fazer, — disse Gianna 
— Não tem. 
 — Mas você ainda não encontrou o cara. Você nem sabe como ele é! Ele pode ser feio, gordo e velho.  
Feio, gordo e velho. Eu queria que fossem as únicas características de Joe que eu tivesse que me preocupar.  
— Vamos procurar no Google sobre ele. Tem de haver fotos na internet.  
Gianna pulou e pegou meu laptop da mesa e depois se sentou ao meu lado, nossas laterais encostadas uma na outra. Encontramos várias fotos e artigos sobre Joe. Ele tinha os olhos mais cinzentos e frios que eu já vi. Eu podia imaginar muito bem como aqueles olhos se fixavam em suas vítimas antes de meter uma bala na cabeça delas.  
— Ele é mais alto do que todos, — disse Gianna com espanto.  
Ele era; em todas as fotos em que aparecia, ele era vários centímetros mais alto do que aqueles que estavam ao seu lado. E ele era musculoso; isso provavelmente explica por que algumas pessoas o chamavam de O Touro pelas costas. Esse era o apelido que os artigos usavam, e lhe chamavam de herdeiro do empresário e dono de clubes, Salvatore Vitiello 
Homem de negócios. Talvez no lado de fora. Todo mundo sabia o que Salvatore Vitiello realmente era, mas é claro que ninguém era estúpido o suficiente para escrever sobre ele.  
— Ele está com uma garota diferente em cada foto.  
Fiquei olhando para o rosto sem emoção do meu futuro marido. O jornal o chamou de “o solteirão mais disputado de Nova York, herdeiro de centenas de milhões de dólares”. Herdeiro de um império de morte e sangue, é o que ele deveria dizer. Gianna bufou.  
— Deus, as meninas estão se jogando nele. Deve ser porque ele tem essa boa aparência.  
— Pode ser — eu disse amargamente.  
Em nosso mundo, muitas vezes escondia-se o monstro que as pessoas eram. As meninas da sociedade só se interessavam pela boa aparência dele e sua riqueza. Eles pensavam que a aura de bad boy era um desafio, um jogo. Elas bajulavam seu carisma predador porque irradiava poder. Mas o que elas não sabiam era que sangue e morte se escondiam sob o sorriso arrogante.  
Levantei abruptamente. 
 — Eu preciso falar com Umberto.  
Umberto tinha quase cinquenta anos e era um soldado leal de meu pai. Ele também era meu guarda-costas e de Gianna. Ele sabia tudo sobre todos. Minha mãe o chamava de difamador. Mas se alguém sabia mais sobre Joe, era Umberto.  
***  
— Ele se tornou um homem da máfia aos onze anos, — disse Umberto, afiando a faca em um moedor como fazia todos os dias.  
O cheiro de tomate e orégano encheu a cozinha, mas isso não me deu uma sensação de conforto, como normalmente fazia.  
— Aos onze? — perguntei, tentando manter minha voz estável. A maioria das pessoas não se torna membro plenamente iniciado da Máfia até que tenha dezesseis anos. — Por causa de seu pai? Umberto sorriu, revelando um incisivo de ouro, e fez uma pausa em seus movimentos.  
— Você acha que foi mais fácil, porque ele é o filho do chefe? Ele matou seu primeiro homem aos onze, por isso se decidiu iniciá-lo mais cedo.  
Gianna engasgou.  
— Ele é um monstro.  
Umberto deu de ombros.  
— Ele é o que precisa ser. Para governar Nova York você não pode ser um maricas. — Ele deu um sorriso de desculpas. — Um covarde.  
— O que aconteceu? — Eu não tinha certeza se realmente queria saber. Se Joe havia matado seu primeiro homem aos onze, então quantos mais ele tinha matado nos nove anos desde então?  
Umberto balançou a cabeça raspada, e coçou a longa cicatriz que ia da sua têmpora até o queixo. Ele era magro e não parecia grande coisa, mas minha mãe me disse que poucos eram mais rápidos com uma faca do que ele. Eu nunca o tinha visto lutar. — Não posso dizer. Eu não sou tão familiarizado com Nova York.  
Fiquei observando o nosso cozinheiro enquanto ele preparava o jantar, tentando me concentrar em algo que não fosse o meu estômago revirando e meu medo avassalador. Umberto se concentrou no meu rosto. — Ele é um bom partido. E em breve vai ser o homem mais poderoso da Costa Leste. Ele vai te proteger.  
— E quem vai me proteger dele?  
Assobiei. Umberto não disse nada porque a resposta era clara: ninguém poderia me proteger de Joe após o casamento. Nem Umberto e nem meu pai. Mulheres em nosso mundo pertenciam a seus maridos. Elas eram sua propriedade, para que fossem tratadas como eles quisessem.  

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